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PNATER: O DESMANTELAMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO RURAL

Por 11 de abril de 2024Coluna dos Associados

Por Adolfo Brás Sunderhus
(Engº agrônomo e Diretor Administrativo da ASSIN – Gestão 2024/2026) 

A Extensão Rural nos permite conversar com agricultores (as), jovens rurais e suas organizações. Extensão e Pesquisa discutem e constroem novas formas de produção e comercialização, pensando na diversificação, entendendo a importância da diversidade, da pluriatividade e da multifuncionalidade da unidade de produção familiar. Portanto, seus profissionais estão envolvidos em uma ação política e, sobretudo, transformadora.

Estes devem ser os propósitos da caminhada da ATER e das trabalhadoras e trabalhadores que dia a dia realizam seus serviços, públicos, promovendo transformações e a troca de diversas formas de aprendizados. Certamente, todos aprendemos muito com as famílias dos agricultores (as), com seus importantes e diversificados ecossistemas, e suas dezenas de milhares de arranjos e desenhos produtivos familiares.

A construção e consolidação da PNATER em 2003 foi um marco importante nesse sentido, principalmente para aqueles (as) que foram historicamente excluídos (as) das políticas públicas federais: a agricultura familiar e camponesa, os povos da terra da floresta e das águas, as comunidades tradicionais e os (as) trabalhadores (as) da Extensão Rural da Assistência Técnica e da Pesquisa pública no Brasil.

Cabe destacar que a Lei nº 11.326 – Lei da Agricultura Familiar dispôs: Este novo momento para Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública define a missão da ATER: “contribuir para execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável”. Portanto está muito, muito além de uma “visita” ao agricultor (a) familiar. 

Define ainda, para que essa ação seja duradoura, as seguintes premissas: 

1- expansão e fortalecimento da agricultura familiar e de suas organizações de representação; 

2- uso de metodologias participativas e educativas de acordo com a realidade local; 

3- conversação sobre a importância do pensar e do agir para exercício e valorização da cidadania; melhoria da qualidade de vida da sociedade; produção de alimentos a partir de uma matriz tecnológica mais humana tendo sua centralidade na agroecologia. 

Alcançar estas premissas de forma duradoura passa a exigir do Estado um compromisso com a reorientação de um serviço de Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública gratuita, em quantidade (lembrando que não existe nada gratuito, pois o dinheiro a ser aplicado vem do trabalho e das riquezas produzidas por todos e todas trabalhadoras da roça e da cidade) e de qualidade, que possa atender ao mundo da roça respeitando seus valores sociais e geracionais, seus ecossistemas de produção e seus arranjos e desenhos produtivos. Além disso, promover tecnologias sociais a partir da integração da ciência cientifica – academia – com o saber e o conhecimento dos (as) agricultores (as) familiares, construir de forma participativa e solidária novas formas de mercado e de comercialização, da transformação dos alimentos e da capacidade de conciliar todo este processo com uma matriz de produção mais humanizada e em equilíbrio com os diversos ecossistemas naturais.

Destacamos ainda que devem ser tomados como pontos relevantes da PNATER para o desenvolvimento sustentável na roça:

• O respeito e a valorização dos saberes populares e de suas redes informais de compartilhamento destes conhecimentos; 

• A valorização das relações sociais e interpessoais nas famílias da roça na comunidade; 

• O respeito à heterogeneidade, a pluralidade, a diversidade e a multifuncionalidade do dia a dia da unidade de produção, 

• A produção de alimentos livre sem uso de agroquímicos, em especial os venenos, a partir de uma matriz de produção humana e agroecológica. 

Apesar dessas premissas inovadoras e cruciais, a Extensão Rural e a Pesquisa pública passaram por desmontes, descasos, renúncias, ameaças e negações – em especial entre 2015 e 2022. Nesse período, a luta da FASER foi marcada por um importante movimento sindical e político que trouxe à tona a seguinte mensagem: não podemos abrir mão da defesa das políticas públicas para agricultura familiar, como a Pnater.

Entre 2015 a 2022, a Faser denunciou governos que buscaram deslegitimar a participação e controle social das políticas públicas para Extensão Rural, a Assistência Técnica e a Pesquisa pública e para a Agricultura Familiar. Dentre os principais ataques nesse sentido, denunciamos: a desconstrução dos arcabouços teóricos e práticos da PNATER; o desmantelamento dos conselhos e colegiados; a desestruturação financeira e de pessoal das entidades de ATER; o cerceamento da participação e do diálogo direto com trabalhadores (as) da Extensão Rural, a Assistência Técnica e a Pesquisa pública e da Agricultura Familiar.

Neste período, a Extensão Rural passou a ser vista como sujeito político com pouca ou sem nenhuma capacidade de decisão e gestão, o que gerou a desestruturação e o desrespeito aos debates, encaminhamentos e deliberações da 1ª e da 2ª CNATER. Neste período, o diálogo construtivo para avaliação e atualização das proposições da Extensão Pública passou a ser crescentemente abandonado.

Este curto período temporal estabeleceu um enorme abismo, que precisa ser melhor apreendido pelos trabalhadores (as) da Extensão Rural, da Assistência Técnica e da Pesquisa pública. Precisamos perceber que, apesar de todos esses ataques, a PNATER ainda resiste em sua identidade teórica e transformadora. Além disso, que há uma janela de oportunidade no governo atual para pensarmos no resgate de uma institucionalidade pautada na gestão pública solidária e participativa para a Extensão Rural, tendo como protagonistas trabalhadores (as) da extensão e agricultores (as) e reforçando a necessidade de valorizarmos os “fóruns vivos e ativos”, com um novo pensar de políticas públicas -– CONDRAF, CMDRS’S, Colegiados Territoriais e de Cidadania e as entidades de representação dos trabalhadores (as) de ATER e da Agricultura Familiar.

Assim, em relação à Pnater, destaco alguns pontos que julgo de extrema importância que estejam presentes na releitura e reorganização da política: 

• Reconhecer as desigualdades locais, regionais e territoriais no acesso às informações em especial neste momento em que temos tudo na “palma da mão” e a “um toque dos dedos”; 

• Reconhecer a dificuldade estrutural das mulheres e das jovens e dos jovens em apropriar-se de políticas públicas transformadoras, capazes de promover o seu empoderamento e sua autonomia econômica; 

• Pensar e articular processos e formas de mercado e comercialização em sua natureza própria e capazes de integrar social e economicamente a roça e a cidade; 

• Reconhecer a desestruturação educacional na roça pela saída dos e das jovens, em especial do segundo grau escolar, que tem como motivação a falta de futuro diante do ganho de capital e do lucro pelo lucro, o que leva a um vazio educacional e de formação qualificada para entender, pensar e retransformar a roça e unidade familiar de produção;

 • A partir da qualificação educacional pensar sobre os principais problemas da agricultura familiar e suas causas e sobre suas reais necessidades a partir de um enfrentamento lógico e inteligente; 

• Vencer a lógica do individualismo das “uras” estabelecendo um diálogo e um entendimento sobre o que é, quais os valores e princípios da Extensão Rural, da Assistência Técnica e da Pesquisa pública como dever e obrigação do Estado;

• Valorizar a troca de saber e conhecimento, as relações de gênero e geração, com equidade entre mulheres e homens e com respeito a linha ancestral comunitária;

• Ser capaz de impactar de forma positiva a inserção de novos agentes públicos para Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública a partir de uma nova visão sobre: a realidade social e de organização dos agricultores (as) familiares; dos ecossistemas produtivos na roça; da diversificação da pluralidade e da multifuncionalidade da unidade de produção familiar; da gestão da unidade familiar de produção. E para além ter como proposito que a visão atual e o apelo social e de marcado está centrado na produção de alimentos a partir de uma matriz de produção agroecológica;

• Compreender que a Assistência Técnica e a Pesquisa deixaram de ser as únicas fontes de saber e formação de conhecimentos. Integrar estas fontes de saber e construir novos elementos a partir de instrumentos informais e formais, deva ser a premissa desta nova Extensão Rural, Assistência Técnica Pesquisa pública, com discussão e compartilhamento de saber e conhecimentos entre todos e todas que participam da operacionalização e do exercício do fazer acontecer esta política pública, para roça e para cidade.

• Fazer a releitura crítica da PNATER a partir da realidade vivida no ano de 2024, com impacto de sua ação para os próximos 10 anos; 

Especificamente ainda, em relação ao financiamento da Extensão Rural pública:

• Vencer a lógica atual de “financiar” a ATER como se tudo fosse a mesma coisa. É necessário que haja definição orçamentaria, de pessoal e aplicação real para Extensão Rural, para Assistência Técnica e para Pesquisa pública a partir de entidades estatais comprometidas com dois pontos fundamentais: a produção agroecológica de alimentos e com a sucessão familiar na roça;

• Construir um Sistema Nacional Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública que estejam comprometidos com o pensar exposto no parágrafo anterior, e sobretudo que tenha e mantenha diálogo, a partir das entidades públicas estatais, com os (as) trabalhadores (as) e com os reais protagonistas da agricultura familiar, e não com processos tecnológicos e de reindustrialização, não permitindo a retomada à década de 70 e 80 dos “insumos modernos”. Que haja ação construída por e para todos e todas que dela fazem parte.

• Não podemos aceitar que o Estado se comporte passivamente diante do poder econômico. Esta prática coloca a política pública de Extensão Rural, Assistência Técnica e a Pesquisa pública em leilão, alimentando e promulgando “portarias” de aporte de recursos via “instrumentos legais” que contribuem para perda da governança pública do Estado, negando aos trabalhadores (as) da Extensão Rural, da Assistência Técnica e da Pesquisa pública e aos Agricultores (as) Familiares sua efetiva participação na formulação e reformulação de uma decisão que trata do futuro desta política pública.

Por fim, algumas proposições específicas para que todos e todas nós profissionais da Extensão Rural, da Assistência Técnica e da Pesquisa pública, possamos refletir sobre nossas metodologias de trabalho:

• Precisamos vencer e sair a lógica de uma Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública de atendimento por produto e por números para uma ação de desenvolvimento social e humana, tendo as famílias da roça como protagonistas diretas deste processo;

• Precisamos fortalecer a lógica de que o agricultor (a) familiar e os (as) jovens da roça são os reais protagonistas para o desenvolvimento e sustentabilidade da agricultura familiar, e não o produto e o lucro por si só;

• Neste contexto, é necessário que o repensar da Extensão Rural busque reorganizar, organizar e centralizar o debate entre Extensão Rural, Assistência Técnica e Pesquisa pública, que não podem ser independentes e muito menos excluidores entre si. É necessário que essa discussão, para além da integração, seja geradora de entendimentos destes temas e entre eles , pois sem dúvida o grande desafio que está posto para este novo momento, e o de pensar e refletir sobre a importância e o potencial da Extensão Rural, da Assistência Técnica, da Pesquisa pública respeitando suas individualidades e buscando os pontos de integração sem sobreposição, permitindo a aplicação e o acesso de todos e todas as políticas públicas para a imensidão que chamo carinhosamente de “mundo da roça”, com foco na agricultura familiar, na reforma agrária, na sucessão familiar, no protagonismo das mulheres rurais, na multifuncionalidade da unidade de produção familiar e a partir de uma matriz de produção mais humana e agroecológica.

A gestão da Extensão Pública não pode ser “mais um modelo” (normalmente engessado pelo Estado em suas “legalizações formais”), muito menos podem ser as discussões sobre a formação de um futuro sistema de Ater nacional. É preciso, antes, que haja um movimento de intenso debate, dinâmico, capaz de influenciar e contribuir efetivamente para a transformação da realidade dos (as) agricultores (as) familiares, jovens rurais, trabalhadores (as) da Extensão Rural, Pesquisa pública e sociedade urbana. As vozes desses atores são, portanto, indispensáveis e aquelas realmente capazes de defender a Extensão Rural de futuros ataques como os sofridos nas últimas gestões. E essas vozes devem ecoar coletivamente. 

Termino minhas reflexões usando um pensar e uma reflexão de Leonardo Boff. 

“recusamos ser apenas animais famintos que gritam por pão; somos humanos, portadores de espírito e de cordialidade que gritamos por beleza; só unindo pão com beleza viveremos em paz, sem violência, com humos e sentido lúdico e encantado da vida”. 

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